Basic Blues

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De tempos em tempos me bate uma onda de velho resmungão nostálgico e minha cabeça fica processando BASIC.

Sim, BASIC com tudo em maiúsculo, em 8 bits. Minhas lembranças dos fascículos que ainda guardo do Curso Globo de Informática e do meu Expert DD Plus que ganhei de aniversário de 12 anos (e também ainda guardo). Fiz muito pouca coisa útil com ele, mas eu me divertia estudando e programando em BASIC, e foi daí que fui contaminado para sempre com o vírus da programação.

Entre 1990 e 1992, não havia internet. O Curso Globo não falava quase nada sobre MSX e eu só encontrava nas bancas duas revistas: a Microsistemas (chata pra cacete) e a CPU, que por algum tempo até se dedicou exclusivamente ao MSX, mas tinha uns tópicos avançados demais, só falava de MSX 2 e Megaram, e uns jogos que eu nunca poderia encontrar para meu drive de 3,5 polegadas. As duas revistas eram feias pra burro, mal ilustradas, mal escritas. Acho que só por meio dos anúncios delas seria possível comprar livros sobre BASIC para MSX, que também eram horríveis, e eu também não encontrava em livrarias. E com a linha Plus a Gradiente deixou de fornecer os bons manuais que vinham com o Expert cinza ‒ eu fiz uma cópia xerox de todas as páginas do manual do meu então vizinho Alessandro Levy, e como não eram cópias frente e verso, colei-as verso a verso e depois página a página com cola branca. Ficou um calhamaço grosso, duro, horroroso e eu adorava.

Enfim: por isso tudo e pela minha idade e interesses típicos dela eu não consegui aprender direito o BASIC do MSX. Não conseguia ver utilidade para arrays e declaração de variáveis com DIM, não entendia por que usar GOSUB se havia GOTO, não tinha a menor idéia de que diabo era aquele monte de números em linhas DATA (mas descobri que mudar algum deles normalmente fazia o computador travar). Mas me divertia usando a SCREEN 2 e os comandos gráficos, FOR-NEXT, INPUT e PRINT, DRAW…

Gratificação imediata. Escrevia um monte de programinhas em um caderno brochura, fazia desenhos de teste em uma folha de papel milimetrado. Isso era suficiente, muito simples de usar, e definitivamente marcante.

Fiz um curso de C com 15 anos. Ganhei um 386 DX 40 em 1993 e instalei nele o Windows 3.11 For Workgroups. Consegui com um colega do curso os disquetes do Borland C/C++ 3.1, com o qual não consegui fazer muito além de ler páginas de ajuda com meu inglês limitado. O QBasic que vinha com o MS-DOS 5.0 era feioso e muito diferente do BASIC de MSX. Um colega de escola, João Fernando, me falava sobre um tal de Visual Basic 3.0 que ele usava, mas eu ainda insistia em aprender C… E nisso o World Grand Prix foi ficando cada vez mais interessante que a programação.

Nunca mais na vida tive a gratificação imediata que eu sentia com o BASIC do MSX.

Ao fim do ensino médio (ou melhor, segundo grau), sentindo que eu escrevia melhor texto do que código, troquei a ideia de fazer faculdade de Ciências da Computação por Jornalismo. Mas ao longo dos anos seguintes, o vírus da programação saiu de seu estado dormente e me atacou diversas vezes. O maior desses surtos foi em torno de 2008, quando resolvi estudar e brincar com Tcl/Tk, uma linguagem amável, muito bacana e cheia de recursos, mas já então sem futuro em web e mobile. Em todos esses ataques do vírus, fui aprendendo muitas coisas novas, mas fazer algo mesmo, ver um programa meu rodar completo como esperado, foi parecendo cada vez mais distante.

Sim, é verdade, os programas que eu imaginava e tentava fazer também foram ficando sofisticados demais. Mas, ao contrário do que eu venho esperando há décadas, programação não foi se tornando algo mais simples com o avanço da tecnologia ‒ muito pelo contrário, só fica cada vez mais complexa e difícil.

A história da microinformática me induz a pensar que essa complexidade toda foi uma forma que a indústria encontrou de subtrair do usuário comum de computadores o direito de criar seus próprios programas. Porque nos primórdios do microcomputador essa era a intenção. No fim dos anos 60 a Xerox vislumbrava algo entre o tablet e o notebook, o Dynabook, no qual sistema e aplicativos poderiam ser alterados pelo próprio usuário ‒ crianças inclusive. Quando Stephen Wozniak criou o Apple II e o seu Integer BASIC, ele quis fazer com que o computador e sua programação fossem acessíveis a usuários comuns. Dez anos depois, na mesma Apple, um lendário Bill Atkinson criou o Hypercard, que permitia a criação de aplicações no Macintosh de forma não muito diferente da criação de uma apresentação de Powerpoint hoje em dia. Por alguns anos foi um programa gratuito que já vinha com o Mac! No mundo PC, até os anos 1990, a Borland e a Microsoft disputavam esse mercado da “programação simples” com BASIC e Pascal, até chegarem ao Visual Basic e ao Delphi.

Daí começou a volta atrás (pelo menos na minha opinião).

Hypercard foi tirado de linha, VB e Delphi passaram a ser tratados e apresentados com desdém. Todos serviram de inspiração para a nascente web (alguns genes são bem evidentes em HTML e Javascript), mas não foram adaptados a ela. As IDEs visuais foram ficando mais raras, limitadas e muitas vezes ligadas a tecnologias proprietárias. A programação voltou ao modo texto, ao código puro, como era nos anos 70.

Pior ainda, diversas tecnologias de naturezas diversas foram sendo incorporadas em modo “quick and dirty” e acrescentando complexidade: bancos de dados, servidores web, servidores de aplicações, CSS, controle de versões, gerenciadores de pacotes e bibliotecas, web APIs, frameworks, cada coisa dessa em muitas opções, com suas linguagens próprias e arquivos de configurações e dados, cada uma sendo tema de n+1 livros. Qualquer site ou aplicativo bestinha que se queira fazer hoje em dia exige conhecer no mínimo um pouco disso tudo.

E como cereja nesse bolo, a única linguagem que de alguma forma pode dar algum senso de integração entre tudo isso é Javascript, projetada em 10 dias sob o chicote da direção de marketing da Netscape. Não, não é nada simples como Basic, nem sucinto como C. É uma genuína obra do demônio, que mistura sintaxe de C com conceitos de programação funcional, com um modelo de orientação a objetos no mínimo exótico, com regras malucas de escopo e coerção. Só por esse palavrório já se pode ver o quanto é preciso estudar ou conhecer previamente para começar a fazer o beabá de Javascript! Se não fosse por estar em todos os navegadores da internet, francamente, quem iria querer programar em Javascript??

Enfim. Hoje temos hardware com limites que poucas aplicações alcançam ou deles se aproximam. Embasbacamo-nos com os avanços da inteligência artificial, do reconhecimento facial, da análise automatizada de texto, imagens e fala. Em paralelo, muito menos se avançou no sentido de dar ao usuário o controle total, fácil e divertido, sobre seus aparelhos. Centenas de linguagens de programação foram criadas, sim. Quase todas do mesmo jeito: código em texto, interpretador ou compilador, testes. O paradigma se mantém e se amplia, mesmo sendo consensual e cada vez mais evidente que o tempo humano é muito mais precioso que tempo de máquina.

Aquele BASIC de 8 bits era bem fuleiro e limitado, mas era fácil de entender e dava resultados rápidos. Eu e muitas outras pessoas sentimos falta disso.

2 comentários sobre “Basic Blues

    • Fabricio Rocha

      Salve, Fellippe! Sim, até tenho o QB64 instalado no computador há alguns bons meses já, mas ainda não tive como realmente brincar com ele. Parece muito interessante.
      Pelo seu e-mail presumo que você seja parte da equipe de desenvolvimento. Você sabe por que ele não é disponível nos repositórios do Ubuntu, por exemplo?

      Obrigado pela mensagem e abraço!

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