Eu sou esquerdista. Eu me sinto um socialista. Sou filiado ao chamado Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) desde 2008. Eu não engulo por nada as ideias estapafúrdias que ouço de gente com um alinhamento neo-liberal comprado na banca de revistas ou de um conservadorismo pseudocristão contraditório e hipócrita. Mas tenho sentido há meses uma agonia crescente para definir mais claramente o que é socialismo para mim e com qual das linhas existentes nele eu me identifico melhor.
Essa agonia ganhou força nos momentos finais da passagem do PT pelo governo federal e diante do Golpe de 2016 (sim, Golpe maiúsculo) em que muita gente foi para a rua, movida principalmente por visões completamente distorcidas e generalistas sobre a esquerda, para apoiar a devolução do poder às mesmas mãos podres e bandidas que por tanto tempo já o tiveram. Como, meu Deus? Por que? Onde foi que erramos? Será mesmo que somos nós da esquerda os errados?
Tenho certeza de que não sou a única pessoa que se identifica com a esquerda mas que busca criar sua própria visão de o que é, afinal, ser de esquerda nesse contexto. Algo que vejo como prova disso é o que, segundo me dizem os mais experientes em vida partidária, já é uma tradição dos partidos de esquerda do Brasil: a existência de incontáveis correntes, que muitas vezes migram de um partido para o outro, e podem nascer dentro ou fora de um partido. São grupos de pessoas, às vezes até bem pequenos, que se identificam com essa, essa outra e aquela bandeira da esquerda, em uma visão pouco ou muito diferente de outras correntes. O PSOL é um partido cheio de correntes. Já ouvi tantos nomes e siglas que não consigo contar. Isso tem um monte de problemas, mas tem um lado muito bom: é um indicativo de que o partido é aberto a diferenças de opinião e aos debates internos.
Felizmente essa abertura já me permitiu levantar questionamentos e ter ótimos debates sobre pontos diversos da minha agonia esquerdista. Até tenho certeza de que tem gente no partido que acha que eu sou um tucano coxinha infiltrado 🙂 Mas, apesar de me aproximar mais de uma e outra das correntes que existem, não consigo ainda em 2017 me sentir à vontade para aderir a alguma delas. Algumas têm bandeiras com as quais não concordo ou que acho extremamente ultrapassadas, e algumas me parecem tão ou mais indefinidas do que eu.
Daí comecei há algum tempo a pensar que, talvez, a minha visão sobre socialismo, e sobre a combinação “Socialismo e Liberdade”, sejam muito peculiares.
Comecei a estudar mais e pensar mais sobre o assunto. Foi me dando vontade de escrever a respeito dessa minha visão, tanto para organizar melhor as ideias quanto para, eventual e principalmente, poder debatê-las com outras pessoas. Por isso este texto, que provavelmente será ainda ampliado e alterado algumas tantas vezes, e que espero ser o primeiro de uma sequência sobre isso, se a inspiração e o tempo permitirem.
Aviso: se você é um estudante fazendo uma pesquisa sobre Socialismo, esse texto pode lhe trazer até uns pontos de vista interessantes, mas também pode lhe render um redondo 0. Posso até recomendar algumas referências melhores, que já existem aos montes. Não tenho qualquer pretensão acadêmica aqui.
Socialismo: um modo de governo ou um ideal?
Posso ser só besta mesmo, mas consigo ver alguma razão no pavor de algumas pessoas sobre a simples menção ao termo “socialismo” no Brasil. “Querem transformar o Brasil numa Venezuela!”. “Vai pra Cuba!”. E por aí vai.
Andei pensando o que seria do Socialismo, como o conhecemos hoje, se não fosse Karl Marx e “O Capital“. Na verdade, fiquei pensando algo mais assim: e se os principais textos do Socialismo tivessem sido escritos por um padre, um médico, alguém que não fosse um ateu estudioso de Economia e de Política?
Eu não li “O Capital“. É longo demais. Li a respeito, li o famoso resumo de Carlo Cafiero, li alguns trechos e relatos sobre textos de Engels, Lenin, Trotski, Gramsci, Rosa de Luxemburgo e outros socialistas clássicos.
Longe de mim fazer (ou fingir) aqui uma análise crítica da obra de Marx e de Engels. As principais impressões assumidamente básicas que eu tenho sobre o que li até este momento, porém, compelem-me a pensar que:
- Marx fez uma análise muito interessante e ainda muito atual da evolução da humanidade e sua economia, até a sua época e muito além dela.
- O próprio Marx parecia vislumbrar socialismo e comunismo como ideais, que precisavam de evoluções do próprio capitalismo e principalmente do ser humano; a interpretação radical desses ideais e a pressa em implementá-los na marra como modelos político e econômico foram erros graves responsáveis pela péssima impressão de muitas pessoas sobre o que é Socialismo.
- O cenário econômico e trabalhista que pautou uma parte importante da obra, lançada em 1867, era a Revolução Industrial, e o cenário que vivemos neste início de Século XXI, a “Revolução Digital”, tem algumas diferenças muito significativas que têm que ser consideradas pela esquerda moderna.
- O chamado Marxismo é uma proposta socialista, por assim dizer, mas de maneira alguma é a única forma possível de Socialismo.
Podem ter sido impressões completamente erradas, mas ainda hei de escrever mais a respeito de cada um desses pontos. Porque foram interpretações clarividentes que fizeram com que eu me sentisse mais socialista do que nunca.