Bem disse, certa feita, o colega de jornalismo Felipe Campbell: só tem esperto no mundo porque também tem otário. A frase voltou à mente numa busca vã por um estabilizador de voltagem — aquele “transformador” no qual se liga o computador de casa — em CINCO estabelecimentos comerciais: dois hipermercados Extra, dois hipermercados Carrefour, e a Loja CTIS, uma das maiores entre as especializadas em informática de Brasília.
Com o título de “estabilizador de voltagem”, pôde-se encontrar alguns produtos, sim. Com o preço dentro do esperado por quem já comprou estabilizadores algumas vezes nos últimos dez anos — algo oscilando em torno dos R$ 50,00. Mas a surpresa vem em letras miúdas nas caixas. A capacidade de uso dos estabilizadores de voltagem — isto é, a potência total dos equipamentos que se pode ligar em um estabilizador — é tradicionalmente medida em volt-ampère (VA), que podem aproximadamente ser convertidos para watts (a medida mais usada para consumo de energia) multiplicando-se por 100. Estabilizador de voltagem que se preze SEMPRE teve capacidade de 0,8 ou de 1 kVA, isto é, 1000W, o que dá para ligar com tranqüilidade a CPU, o monitor, o amplificador das caixas de som e a impressora.
Acontece que, pelo preço que se praticava anteriormente, os estabilizadores comuns, mais simples, tiveram sua capacidade reduzida a menos da metade do que era padrão há um ano ou pouco mais que isso — apenas 0,3kVA, ou 300W! Tão surpreendente quanto a redução em si, é ver que não foram só empresinhas ching-ling que fizeram isso, não. Até mesmo marcas como SMS e Microsol, brasileiras, renomadas e com anos de tradição no setor, também aderiram à moda. Isso numa atualidade em que os processadores dos micros, cada vez mais velozes apesar das limitações do silício, consomem também cada vez mais energia e exigem, só para a unidade central (CPU), fontes com capacidade de 400W ou mais. Fora os monitores, a maioria deles ainda com tubo de raios catódicos de alto consumo; os sistemas de som com até 7 caixinhas, do tipo “home theater”; os cada vez mais comuns modems ADSL e hubs de rede, que precisam ficar ligados o tempo todo no estabilizador; e mais uma série de equipamentos.
Não é nada difícil perceber que esse roubo da capacidade dos estabilizadores não vai dar certo — para o usuário, o consumidor, é a alta probabilidade de ter que comprar outro estabilizador num prazo de três meses ou até menos. Mas alguém percebeu esse roubo? Notoriamente desinformado, tanto sobre tecnologia quanto sobre seus direitos, o brasileiro é enganado várias vezes, e essa é mais uma delas. Dizem as caixinhas dos novos estabilizadores que eles são capazes de suportar a ligação de um micro, um monitor e uma impressora jato de tinta. Uma definição genérica que não leva em conta a multiplicidade de configurações de micros, mesmo entre os mais baratos do mercado.
Ah, sim, pode-se encontrar, ainda, alguns poucos estabilizadores que mantém as “velhas” potências de 0,8 ou de 1 kVA. Só que agora o mais barato deles está na casa de R$ 150,00 — três vezes mais caro que o novo modelo básico, mas não três vezes mais potente. Quem não tem o menor conhecimento jurídico já pode, com essas informações, dizer no mínimo que se trata de imensa cara de pau. Desfaçatez e irresponsabilidade, diriam aqueles com um pouco mais de esclarecimento. A redução de custos, para os fabricantes, é óbvia, mas não é tão certa a razão para que quase todos eles tenham adotado a potência de 0,3kVA — seria pela adoção de transformadores baratos feitos em larga escala na China, ao custo do emprego de brasileiros? Seria um acordo convencionado entre os engenheiros ou entre os diretores comerciais? E os preços, tão semelhantes, seria por acaso também?? Então, um consumidor mais atento e mais informado pode desconfiar que há sinais de formação de cartel, ou a existência de algum monopólio entre os fornecedores de componentes, além da violação aos direitos do consumidor.
Aí alguns podem perguntar, com relativa razão: e daí? Para a fiscalização, pode ser dada a interpretação da lei de que basta haver letrinhas miúdas nas embalagens, informando a nova potência, e o consumidor compra assim mesmo só se quiser. Seria correto se não houvesse, na verdade, uma completa falta de opção — a não ser que ele queira pagar três vezes mais para ter o produto que, até recentemente, tinha o mesmo preço.
Eu prometo que vou tomar providências contra isso. Assim que tiver novidades, escrevo aqui.
A mutreta do DVD
Não é a primeira vez que me indigno com a completa e absurda desregulação do mercado de eletrônicos brasileiros, às custas da ignorância tecnológica do consumidor médio. Uma descoberta estarrecedora que tive há cerca de dois anos foi o completo desrespeito à lei brasileira por parte de fabricantes e vendedores de aparelhos de DVD.
Acontece que a lei é bastante clara ao dizer que, no mercado nacional, só podem ser vendidos que atendam às especificações técnicas e padrões definidos no Brasil, principalmente pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Acontece, também, que o Brasil, ainda no fim dos anos 60, escolheu um exótico sistema de televisão colorida chamado PAL-M — uma mistura do sistema de modulação de cores PAL, criado pela alemã AEG-Telefunken, com a freqüência de varredura de 60Hz do modelo americano NTSC. De tão exótico e tardio, o sistema PAL-M, apesar de ter significativas vantagens tecnológicas em relação aos antecessores, só foi adotado no Brasil e no Laos.
Pois bem. A chamada globalização fez com que as grandes marcas de eletrônicos se dedicassem a fazer produtos que pudessem ser exportados para o máximo de países possível, sem modificações. Daí que, de uns cinco anos para cá, a maioria dos televisores vendidos no Brasil são na realidade feitos para serem vendidos em toda a América — e, por isso, funcionam simultaneamente nos sistemas PAL-M, PAL-N (adotado nos outros países latino-americanos) e o americano NTSC. Até aí, nada de errado. Mas os aparelhos de DVD não receberam as devidas adaptações em respeito do consumidor brasileiro. Quase todos foram feitos para os mercados europeu e americano, funcionando apenas em NTSC e no sistema alemão original PAL, ambos incompatíveis com o PAL-M.
Na prática? Tente ligar um aparelho de DVD numa televisão mais antiga. Você terá uma nada aprazível imagem em preto e branco. Já ouvi relatos de pessoas que fizeram isso e acharam muito estranho. Mas o brasileiro médio, acomodado como sempre, simplesmente acha estranho, reclama da televisão velha, e até coça o bolso para comprar uma nova — ah, que maravilha, ficou colorido, olha só que jóia esse telão!! Aí é claro que funciona — afinal, os televisores novos também funcionam em NTSC, e assim o sistema PAL-M, oficialmente estabelecido e decretado no Brasil, está sendo substituído, na surdina, pelo padrão americano — para a alegria dos grandes fabricantes, que não mais precisam se preocupar em fazer produtos específicos para o Brasil. Ah, sim, claro, também para o Laos.
O consumidor tem o direito de exigir, no mínimo, que lhe seja dado, de graça, um conversor de NTSC para PAL-M — um aparelho que custa cerca de R$ 300,00. Tanto faz se a bronca vai para o fabricante ou se vai para a loja onde foi feita a compra — ambos têm responsabilidade igual e conjunta, segundo a lei. Eu fiz isso, no Carrefour, e consegui, depois de duas horas e meia explicando aos vendedores e gerentes o que era NTSC e PAL-M. Eu me pergunto quantas das autoridades de órgãos de fiscalização e governo, como Procons, Delgacias do Consumidor, ou mesmo do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e Comércio, sabem as diferenças entre os sistemas existentes. E, se souberem, quantas denúncias eles receberam, até agora, de que havia algo de errado nos DVDs vendidos no Brasil. Se não deixarmos de fazer o papel de otários, sempre vai haver espertinhos querendo levar a gente no bico.