Meu filho vai ser corrupto

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Num período de aproximadamente um mês, o cidadão brasileiro viu um homicida confesso ser laureado promotor vitalício e uma juíza federal ser promovida apesar de suas ligações com um traficante colombiano. Pode ter vindo daí a aparente indiferença ao vermos o presidente da uma das instituições máximas da República ser inocentado das várias acusações de corrupção, mentira e uso indevido do poder, por 40 de seus colegas e, por que não dizer, certamente pares e similares em muito além do que podemos ver.

Desde que surgiu a acusação de ter as pensões da filha bastarda pagas por um lobista de uma grande empreiteira, o senador Renan Calheiros parece ter passado Araldite 24 Horas na cadeira da presidência do Senado. Bem confiante, recusou-se a renunciar tanto ao cargo quanto ao mandato. Provou, ao frigir dos ovos, que tanta confiança tinha razão de ser. Alegou e continua alegando ser inocente. Ok, então vamos presumir que não constituam provas definitivas de culpa  todos os documentos que foram descobertos pela imprensa, os personagens que confirmaram histórias cabeludas sobre o senador alagoano, nem os documentos que o próprio Renan apresentou e foram considerados falsos pela perícia da respeitável Polícia Federal. Mesmo que tudo isso ainda não forme evidência suficiente de corrupção e crimes, será que cabe a um presidente do Senado Federal, um político poderoso que está sempre na base de apoio de qualquer governo que ocupe o Palácio do Planalto, o simples fato de ser acusado disso tudo? Já não seria motivo suficiente para que, por vontade própria ou por seus colegas de Parlamento, deixasse a presidência, e fosse afastado ou mesmo licenciado do mandato, para que, despido de qualquer carapaça política, fosse investigado a pente fino, como cidadão comum, para que assim fosse cabalmente atestada (ou não) sua alegada inocência??

Sim, era para ser assim. Se ele mesmo, Renan Calheiros, tivesse a hombridade e a honradez de se dispor a isso. Se os 40 senadores que o absolveram tivessem um pouco de vergonha na cara e demonstrassem um mínimo de preocupação com a imagem da política brasileira e do próprio Senado. Se, na jogatina dos partidos e blocos políticos, o respeito ao cidadão fosse considerado uma carta importante. Se os crimes que foram atribuídos ao senador causassem tanto interesse público quanto o crime da novela das oito, e se o próprio cidadão se preocupasse com algo mais que a mera sobrevivência com um pouquinho de diversão.

 

Maior que a lei maior

Mas não. Renan preferiu peitar todas as acusações, argumentar que tudo era fruto de perseguição da imprensa, e optou pelo caminho notavelmente seguro de se submeter aos seus pares — a maioria deles, como ficou provado, de caráter e atos tão duvidosos quanto os do julgado. Em uma votação secreta, em que todos os participantes, eleitos pelo povo, têm o direito de não dar satisfação alguma ao povo que os elegeu. E, para deixar o acusado ainda mais tranqüilo, o Regimento do Senado ainda determina que tal votação tem que ser hermeticamente fechada e protegida dos olhos da sociedade. Em outros termos: "que se dane quem votou em nós, aqui a gente faz o que a gente quiser". Tanto é que os deputados que conseguiram na Justiça uma liminar para acompanhar a votação quase foram impedidos (à força) de entrar no Plenário pelos funcionários da segurança do Senado — em uma demonstração bárbara de ignorância que nos remeteu imediatamente ao coronelismo ainda atual. E os mesmos deputados foram violentamente censurados por alguns dos senadores, durante a tal sessão de votação, quando saíram do Plenário e comentaram para a imprensa o que estava acontecendo lá dentro. Alegavam os ditos senadores que, pelas normas do Regimento Interno do Senado, exige-se sigilo. Como se fosse o Regimento do Senado maior do que a própria Constituição Federal, que garante, em seus princípios, a liberdade de expressão, a inviolabilidade das declarações de um parlamentar, a proibição da Censura e o direito do cidadão à transparência do poder público.

Absurdo por absurdo, o corporativismo oficializado e extremado era exatamente o trunfo que Renan Calheiros sabia que tinha desde o começo — por isso a confiança e a tranqüilidade que demonstrou por todo esse tempo. Do lado de fora do Congresso, cerca de dez gatos-pingados seguravam uma faixa preta com o dizer "Fora Renan" — taí a surpreendente mobilização da sociedade brasileira diante de um caso de tanta magnitude. Um mínimo de cidadania que o brasileiro tivesse certamente teria provocado uma manifestação decente na Esplanada dos Ministérios. Talvez até tivesse mudado o placar da votação, se os próprios senadores também tivessem esse mínimo de cidadania; mas se não o tivessem, esse mesmo grão de cidadania teria causado uma invasão do Senado, com um merecido quebra-quebra da-que-les. Deveria a população mostrar que não precisa de um Senado como esse, que, apesar de seus quase 200 anos de tradição, tem se mostrado cada vez menos útil à organização do Estado e representativo da sociedade, e ainda assim não tem o menor pudor de se mostrar como a maior pizzaria do país.

Mas estamos no Brasil, o país em que o malandro é um ícone nacional e bandido vira herói de cinema. Em que deputados mensaleiros e sanguessugas também foram absolvidos e reeleitos. O país em que o povão não se importa com nada, e até acha bonito ouvir o nome do senador em que votou no rádio — sem entender patavinas sobre a tal "improbidade administrativa" e "tráfico de influência" que o rádio diz que o tal senador cometeu. Um país em que, no fim das contas, é mais barato, mais fácil e mais seguro viver na ilegalidade do que na honestidade; e é nos altos postos dos três poderes da República que estão os mais ilustres exemplos.

Por tudo isso é que o episódio acontecido na tarde desta quarta-feira, 12 de setembro de 2007, levou-me a pensar que um filho meu terá mais sucesso e tranqüilidade no Brasil se, em vez de ser honesto e íntegro, resolver ser corrupto. Nada de ficar esquentando a cabeça com esse papo de cidadania, ideologia, ética. Um dia, quem sabe, ele pode até se tornar um político importante e presidente de alguma coisa.