Seu navegador, suas regras?

Imagem: Google, pare
Padrão

(Publicado também no LinkedIn em 01/11/2023)

Nesta eu me dirijo especialmente às (aos) colegas que trabalham com parlamentares: há uma pendenga em curso no mundo da internet em que uma intervenção legislativa parece bastante necessária.

Google, a empresa, há quatro meses enfiou no código de seus navegadores — os que quase todos nós usamos nos nossos celulares e computadores, ainda que sob outras marcas — uma ideia macabra: o navegador e todo o sistema de cada usuário passar por uma validação de uma “entidade atestadora” a cada vez que uma página for acessada. Entidades como ela, Google, a empresa, ora, quem mais.

A tecnologia se chama “Web Environment Integrity“, e um esboço de especificação foi criado por um funcionário da Google. A proposta é indefinida em pontos centrais — não há definição nem mesmo de o que seria “web environment” — mas vem com a argumentação cândida de, por exemplo, evitar que usuários de jogos online usem recursos para trapacear adversários, ou impedir o uso de perfis falsos em redes sociais.

Balela.

O mais óbvio interesse na ideia é impedir extensões e navegadores que bloqueiam anúncios, que são a principal fonte de receita da Google. Mas as possibilidades são várias.

Isso vai ser usado por governos para garantir que apenas os navegadores oficialmente ‘aprovados’ (leia-se: monitorados) possam acessar a internet; vai ser usado por corporações como Netflix para forçar DRM (Gerenciamento de Restrições Digitais)“, alertou a Free Software Foundation em um comunicado.

São muitos os sites que se financiam com os serviços de anúncios do Google, e é claro que o código que exibe os anúncios, fornecido pela Google, sempre trará esse pedido de checagem. Navegadores alternativos e sistemas livres poderão ser simplesmente barrados. Configurações de privacidade, ou até o uso de um outro motor de busca que não o Google, poderão impedir a visualização de sites.

A internet estará totalmente nas mãos da Google. E poderá se tornar algo muito diferente do que foi até hoje.

Em 26/07, a implementação do WEI foi imposta pelos desenvolvedores da Google na versão 120.0.6099.5 do Chromium, que é o código aberto do qual derivam o Google Chrome “oficial” e outros vários navegadores. Desde quando entrei no jornalismo de tecnologia, ainda no fim do século passado, nunca vi tamanha tratorada — nem tamanha reação negativa dos colaboradores de um projeto aberto, como mostram os comentários à inclusão do código.

Principal das entidades que definem os padrões tecnológicos da Internet, a W3C anunciou que não apóia a tal tecnologia. A Electronic Frontier Foundation publicou artigo em que diz que o WEI é uma má idéia que a Google não deveria levar adiante. Alguns dos colaboradores do Chromium, injuriados, já contactaram autoridades reguladoras de mercado de seus países, e esperam que comitês oficiais e legisladores se movimentem para barrar esta ação monopolista da Google antes que ela se perca no desconhecimento do público em geral.

Taí um bom tema para audiência pública e projeto de lei no Congresso brasileiro.