Espírito da vanguarda

Foto de Marte
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O Spirit em nada lembra o C3PO do Guerra nas Estrelas, a Rosie dos Jetsons e tampouco a Super Vicky, mas é dotado de sofisticados instrumentos de auto-orientação, obtenção e conservação de energia, detecção de materiais e vários outros sistemas de dar inveja aos robôs de nossas infâncias — afinal, eles não conseguiram chegar a Marte.

E o que teria o planeta vermelho a ver com os ares da cidade brasileira de Vitória, ou com as chaminés da Companhia Siderúrgica de Tubarão, em Santa Catarina? “Fazemos uso dessa tecnologia usada em Marte nos estudos ambientais de poluição atmosférica e controle de qualidade da indústria”, explica o físico brasileiro Paulo Antônio de Souza Jr., analista da Companhia Vale do Rio Doce, convidado pela agência espacial norte-americana (Nasa) para participar do projeto Spirit por ser um dos desenvolvedores de um aparelho chamado espectrômetro de Mössbauer. Um pequeno exemplar desse equipamento de nome assustador está acoplado a um braço do robô, para analisar o solo e as rochas de Marte.

A alta tecnologia usada em missões espaciais muitas vezes resulta em avanços importantes para indústrias e produtos bem comuns aqui na Terra. Entre os exemplos mais conhecidos, estão o mouse, desenvolvido na década de 60 por Doug Engelbert, da Universidade de Stanford, com apoio da Nasa. Ou a tomografia computadorizada, que nasceu de uma tecnologia da agência para as fotografias da Lua durante o projeto Apollo, bem como ferramentas movidas a baterias. Tecnologia usada para bombeamento de combustível nos ônibus espaciais da Nasa também deu origem a um tipo de coração artificial que está em testes na Europa e câmeras de infravermelho portáteis. Da tecnologia usada no polimento das perfeitas lentes e espelhos do telescópio espacial Hubble, nasceu no ano passado um novo método para afiar lâminas de patins para gelo.

Claro que o caminho inverso também existe — a Spirit une várias tecnologias que já estão em uso ou em testes. Um exemplo é o próprio espectrômetro de Mössbauer. Outro é o uso de um software para analisar imagens, captadas por câmeras no robô, e a partir delas determinar aonde ir (ou não). “As aplicações na indústria automobilística e mesmo em cirurgia a distância são similares”, aponta Paulo. O altímetro por radar também pode ser usado um dia para evitar acidentes, por exemplo. Outra inovação da Spirit, que pode vir a se tornar um produto um dia, é o uso de duas câmeras juntas, com filtros coloridos, para fazer imagens tridimensionais.

 

As tecnologias da Spirit

Zylon
As cordas do pára-quedas do Spirit são de zylon, um material usado para cordas de navios. É um material sintético de propriedades parecidas com o já conhecido kevlar, de alta resistência, com fibras finas trançadas.

Vectran
É o tecido dos airbags que amorteceram o pouso nada delicado da Spirit em Marte. Ainda que flexível, o vectran é duas vezes mais resistente que o kevlar, tem boa resistência a temperaturas baixas e é composto de fibras sintéticas entrelaçadas.

Tinta de ouro
Usada no exterior do robô, a tinta dourada tem a função de ser isoladora de calor — o que acontece por ela ser extremamente reflexiva. É o mesmo princípio usado nas garrafas térmicas.

Aerogel
Usada para isolação térmica no interior do robô, o aerogel recebeu o apelido dos cientistas de “fumaça sólida”. Assim como o vidro, é baseado em silício, mas é mil vezes menos denso e, portanto, muito mais leve. O aerogel é como uma esponja ultraleve, com 99,8% de ar em sua composição.

Scanner estelar e sensor de sol
Equipamentos de incrível precisão, usados durante a jornada a Marte, para descobrir a exata localização da nave em função da posição do Sol e das estrelas. Baseado nas informações desse conjunto o módulo de controle da Spirit acionava os foguetes de correção da trajetória — o que deve ter acontecido apenas seis vezes em uma viagem de 515 milhões de quilômetros!

Antena de baixo ganho
Uma das antenas de rádio usadas para comunicação e controle entre a Terra e a nave. A antena de baixo ganho irradia sinais para todas as direções. Até determinada distância da Terra, boa parte desse sinal acabava indo para a Terra mesmo.

Antena de ganho médio
Ao contrário da antena de baixo ganho, a antena de ganho médio emite um sinal direcionado e concentrado, como uma mira a laser. Essa antena é acionada quando o sinal omnidirecional da antena de baixo ganho começa a ir mais para os lados do que para a Terra.

Unidade de medição inercial
Sensor que detecta movimentos em todas as direções. Na cápsula e no robô, é usado para medir a posição de descida ou as inclinações do terreno, para evitar que o veículo capote.

Altímetro por radar
Sistema usado na cápsula da Spirit após a entrada na atmosfera de Marte, para acionar os vários sistemas de freio de acordo com a altura em relação ao chão, como o corte do pára-quedas, acionamento de foguetes retropropulsores e o acionamento dos airbags de amortecimento.

Computador de bordo do Rover
O cérebro de todo o conjunto da Spirit é comparado pela Nasa a “um poderoso laptop de última geração”. O computador tem 128MB de memória RAM e 3MB de memória EEPROM, que pode ser apagada mas não perde conteúdo quando a energia é desligada. Pode não ser muito se comparado a um micro atual, mas é mil vezes mais memória do que a usada pela sonda marciana anterior, a Sojourney, da missão Pathfinder de 1997. Os chips de memória são especiais, para suportar a forte radiação do espaço. O sistema operacional checa constantemente, em ciclos, todos os sensores.

Câmeras digitais
O robô da Spirit é cheio de câmeras digitais — nove. Duas, colocadas uma do lado da outra, formam a chamada Pancam (de “panorâmica”). São os olhinhos do robô. As duas apontam para o mesmo lado e a imagem entre elas é combinada, mas cada lente pode ser coberta com oito filtros de cor, para obter efeitos tridimensionais ou fazer fotos especiais. Uma outra câmera é a microscópica, colocada num braço, que se aproxima e faz fotos de 1.024 x 1.024 pixels de rochas em estado natural ou raspadas por outro braço do robô. Por fim, há quatro câmeras, chamadas hazcams (câmeras contra acidentes), uma em cada canto inferior da base do robô. Elas servem para fazer um mapeamento do terreno em volta e as imagens são analisadas por software para o robô decidir aonde ir. Estas câmeras podem fazer imagens em ângulos de 120 graus, com alcance de 3m de profundidade por 4m de largura.

Espectrômetros
São sensores usados para fazer medições de certas características do solo e da atmosfera de Marte em função do tempo, profundidade ou outras medidas. O resultado é um gráfico chamado de espectro. O sensor Mini-TES é um medidor de emissão infravermelha de calor, que se aproveita da característica de que cada material emite calor de uma forma diferente. O Mini-TES tem o objetivo principal de descobrir cerâmica ou carbonatos, que são sinais de existência de água no passado. Outro espectrômetro, o de Mössbauer, analisa os compostos com ferro. O terceiro medidor é o de emissão de Raios X e partículas Alfa, usado para descobrir elementos químicos radioativos. 

Marte, um mistério

Foto de MarteMarte é o quarto planeta do sistema solar, depois de Mercúrio, Vênus e Terra. Tem aproximadamente metade do diâmetro e um décimo da massa do nosso planeta e, devido às leis da gravidade, os mesmos corpos lá têm peso 40% menor que na Terra. A atmosfera é muito delgada e 96% dela é de gás carbônico, o que torna impossível respirar no planeta. A temperatura média é de -62 ºC, mas com variações de até 113 graus em um dia. O solo é extremamente seco e contém muito ferro. Há fotografias que apontam a existência de gelo no extremo norte do planeta. Cada dia marciano leva o nome de sol e dura 24h37.

Marte não oferece condições para a vida como a conhecemos na Terra, mas muitos cientistas acreditam que nele existiu vida há bilhões de anos. Os famosos canais de Marte assemelham-se a leitos secos de rios. Na Terra já foram encontradas pedras — uma delas em Minas Gerais — que acredita-se serem vindas de Marte, por causa de sua composição química. Nessas pedras foram encontradas estruturas fossilizadas que parecem ser bactérias.

Publicado no Correio Braziliense em 13 de janeiro de 2004

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