Liga não, Arrudão!

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Que beleza, hein, governador?? Enfiando no bolso uma nota preta, de origem um tanto quanto duvidosa, no que talvez tenha sido o maior flagrante de corrupção da história brasileira. Indignante sim, para alguns, mas não ligue não. Você tem tudo para pedir e receber, mais uma vez, o perdão do povão.

Ora ora, Zé Roberto. Vergonhosamente flagrado recebendo um bolão de dinheiro. Filmado, registrado, muito pouco desfocado, mais do que identificado. Com sua careca inconfundível, em uma prova simplesmente incontestável. Também temos aí gravações telefônicas em que a sua voz aparece perguntando sobre o tutu de hoje, a bufunfa de daqui a duas semanas e por aí vai. Se V. Exa — aliás, posso te chamar de você, e isso não é uma pergunta — está envergonhado ou acuado, o mais imediato consolo é que você não está sozinho. Juntos na mesma cilada, caem o seu vice, o até-então-bem-sucedido-e-respeitável-empresário Paulo Octavio; outros empresários como José Celso Gontijo e alguns integrantes do segundo e do terceiro escalão de seu governo; e caem alguns bem conhecidos mas jamais tão respeitáveis deputados distritais, como Walter Brunelli, Leonardo Prudente e Eurides Brito.

Cai também a sua aura de madalena arrependida do roubo de informações do painel de votações do Senado, ocorrido há mais de uma década e banhado por lágrimas de crocodilo emanadas enquanto você dizia, em discurso, estar profundamente envergonhado pelos seus filhos. Se aquilo, que era um vacilo regimental em uma questão meramente política, causou-lhe tamanha vergonha, imagino como você deve estar agora, depois de ter sido desmascarado metendo no bolso aquele dinheiro saído sabe-se lá de onde. Imagino mais ainda como deve ser a vergonha de um filho ao ver, na televisão e na internet, o pai recebendo aquela famigerada cestinha de propina, e ainda pedindo mais.

Por fim, cai ainda a cara de quem acreditou em seu pedido de clemência e votou em você, e também a cara de gente que, como eu, nunca votou em você para nada, mas até vinha tendo uma boa impressão do seu governo. Várias obras úteis e imponentes, medidas até certo ponto moralizadoras, três anos de aparente tranquilidade administrativa sem escândalos. Tudo bem que a saúde pública no Distrito Federal continuava uma porcaria, mas isso é um problema que veio dos governos anteriores, não é? Não ligue não.

Talvez você tenha que ligar agora é para um excepcional publicitário que seja capaz de inventar e divulgar uma boa explicação para isso tudo. Porque sair toda a corja dizendo que essa dinheirama era para comprar panetone para os pobres, ora, dê-me a licença, ilustre governador. Eu mesmo, que sou um assumido e afamado devorador de panetones, jamais gastaria tanto dinheiro com isso, e não lembro sequer de ter recebido algum panetone desses na minha vida. E afinal, graças a Deus, não preciso, nem quero e, na verdade, se existiram mesmo tais panetones, que fossem comprados com o seu próprio salário, e não com dinheiro público transformado em propina. Fazer caridade eleitoral assim é, como dizemos no dia a dia, gozar com o bilau dos outros. E na verdade, a sua quadrilha está é gozando da nossa cara com esse discurso imbecil.

Ouvi dizer que você conseguiu uma ordem judicial para que fosse tirada de circulação uma edição do Correio Braziliense que traria uma reportagem ampla sobre o escândalo. Nem sei se é verdade, mas diante dos fatos não tenho como duvidar, até porque têm sido frequentes os casos em que algum idiota qualquer do nosso Judiciário podre e imprestável reestabelece oficialmente a censura, e assim rasga a Constituição tanto quanto você. Mas você não precisava ligar pra isso não, Arrudão. Afinal de contas, por aqui ouvir o nome do político no rádio ou na tevê é sinal de que o ômi é bão. Se é por notícia boa ou notícia ruim, pouco importa. Se o Brasil não fosse o Brasil, a população tomaria as ruas em protesto, o governador e o vice-governador passariam por um impeachment sumário, provavelmente a Câmara Legislativa seria dissolvida de imediato, e novas eleições seriam convocadas. Mas não é o caso.

E em geral, as pessoas um pouco mais esclarecidas preferem se afastar da política, e com isso muita gente boa e honesta deixa de ocupar os cargos eletivos que, assim, ficam disponíveis para bandidos, corruptos, corsários, estelionatários e outros elementos dessa laia que você conhece bem. Bem até demais, ao que parece. Mas não se preocupe, e repasse esse recado aos demais mensaleiros deflagrados pela Operação Caixa de Pandora. Vocês nunca mais poderão abrir a boca para falar um “ai” que seja sobre ética, moral, austeridade, probidade ou qualquer coisa do gênero, mas já cansamos de ver exemplos de que isso não impedirá vocês de — como gostam de dizer — serem perdoados pelo voto e retornarem nos braços do povo. A prova maior disso é que, com a sua vexaminosa derrocada, o grande candidato a próximo governador do DF passa a ser ninguém menos que Joaquim Roriz. Então, Arrudão, esquenta não. Daqui a pouco você está de volta.

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