Diálogo de um Rorizista

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O mais curioso é o dito cidadão — um cara gente boa e divertido, inclusive, conhecido poucos minutos antes — diz que vai votar em Heloísa Helena, do PSOL, para a Presidência da República; "porque ela mete o dedo na cara dos outros e eu quero ver se ela vai se manter assimn cimbativa se for presidente". Um cara que se diz decepcionado com o governo Lula, que diz que esperava muito mais, e que ficou decepcionado com o fisiologismo do PT. Mas isso é Brasil, isso é Brasília, onde amiúde o discurso se transforma completamente quando a política em questão se mistura com os interesses pessoais. O que o interlocutor diz é exatamente a mesma coisa que já ouvi várias vezes em outras eleições.

Não posso dizer que esse diálogo está reproduzido "sem tirar nem pôr", mas posso garantir a parte do "sem pôr". Já o "sem tirar", além da questão editorial, obviamente eu não estava a serviço, não estava anotando nada e principalmente não sou santo para ir a um boteco no sábado à noite e não tomar umas. A essência está toda aqui, com certeza. Minha participação no diálogo está em negrito.

 

— Assim, aqui em Brasília eu voto no PMDB, mas eu admito, isso é por interesses pessoais mesmo.

— Então explica.

—  Cara, eu tava na faculdade. Querendo trabalhar. Espalhei uns currículos por aí, falando com altas pessoas, e nada. Aí um dia meu pai falou comigo: "você quer mesmo trabalhar e parar de estudar?". Aí eu disse "quero trabalhar E estudar". Aí meu pai falou "peraí". Pegou o telefone e ligou pra um cara que é assessor direto do Roriz. Tipo, o Roriz não dá um passo sem perguntar pro cara se pode ou não. É o braço direito dele. Aí começou aquele papo de bróder mesmo, "e aí, como é que vão as coisas? e aquele negócio? etc etc". Depois da ligação, meu pai disse pra eu ir no outro dia, pela manhã, na administração do Lago Sul. Deixei o currículo lá, e pronto: no outro dia, tava lá no Diário Oficial minha nomeação pra secretário administrativo. Olha só, o maior empregão, logo de cara!

— Ahn…

— Aí tá. Depois, chegou o PT no governo, aí fui demitido. Então tá, né? Aí fui fazer outras coisas e tals. Passou um tempo, o PMDB voltou. Aí liguei pros contatos que eu tinha e perguntei "pra onde é que eu corro agora?". Aí um cara falou: "leva a sua carteira de trabalho amanhã no ICS" [Instituto Candango de Solidariedade, instituição onde há algum tempo houve um grande escândalo de corrupção, devidamente abafado pela imprensa local e pelo GDF de Roriz]. Cheguei lá, tinha uma fila enorme, mas rapidinho apareceu alguém chamando meu nome. Levantei o dedo e pronto, passei na frente de todo mundo, e já tava nomeado. Política é isso!

— Não é não. Não dá, eu sou idealista demais pra essas coisas. Isso aí é politicagem!

— Cara, eu sei que você quer me bater, mas pô, eu também pensava assim! Quando eu tinha uns 17, 18 anos, eu era PT. Só pra ser do contra! Mas e daí? Eles nunca me deram nada, e quando eu precisei de alguma coisa o PMDB me ajudou. Pra que que eu ia votar no PT?

— Hum. E aí?

— Aí eu comecei a trabalhar lá. Mas trabalhar mesmo, não era só chegar e deixar o paletó não. Tava ralando. Mas aí passei num concurso da Infraero. Tava lá, já me despedindo do pessoal, levei a carteira de trabalho pra dar baixa, expliquei que tinha passado no concurso e não podia acumular função. Mas aí o diretor de lá falou "nah, fica aí". E eu disse "mas não dá, pra ir pra lá eu tenho que sair daqui". E ele só falou "que nada, fica lá e aqui, ué. A gente dá um jeito". E pronto, aí fiquei nos dois…

— Ah, não, cara. Você me dá licença, eu acabei de te conhecer, mas isso é picaretagem! 

— Sim, não é certo não, mas eu não fiquei só como funcionário fantasma, não. Eu ia lá de vez em quando, continuei dando consultoria, fiquei como consultor.

— Mas não deixa de ser ilegal! Todo mundo reclama que o Brasil é isso e é aquilo, mas na hora de tirar proveito próprio faz esse tipo de coisa!

— Sim, eu concordo que é errado, mas política é isso, cara! Sabe aquele pessoal que fica agitando bandeira na rua? É tudo por esse mesmo motivo, é porque tem algum interesse particular. Por exemplo, eu te conheço agora. Vamos imaginar que a gente tenha alguma ligação política, e eu sou diretor de alguma coisa lá. Se eu estiver precisando de um cara que tenha o teu perfil e tals, e tenho a sua indicação por alguém que é da minha confiança, eu vou te contratar, ué. Mas também não vou pegar um cara que só tem ensino médio e vou colocar como jornalista.

— Sim, de certa forma isso é normal, é o que se chama de aparelhamento do governo pelo partido. O PT fez isso também e até demais, o que deu problema com os partidos aliados, que queriam cargos mas não havia vagas…

— Mas eu não sou filiado ao partido não, eu passo longe disso. Mas não vou ter pai pra sempre e eu tô ralando pra fazer meu próprio nome.

— Mas, porra, como é que você diz que vai votar na Heloísa Helena, e faz esse tipo de coisa, cara??

— Até quando ela vai ser assim, né? O PT também era todo idealista no começo e olhaí agora. Eu tenho um amigo que vai lá em casa e ele e meu pai ficam se sacaneando, um falando do PT, outro do PMDB. Um dia meu pai perguntou pra ele: "Por que que você é PT?". E o cara não tinha resposta.

Voar com as próprias asas

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Foi um brasileiro, Santos Dumont, que tornou realidade a idéia de fazer um veículo mais pesado que o ar levantar vôo ­ alto e controlável, não como a máquina de pulinhos dos irmãos Wright que os americanos querem que seja o primeiro avião do mundo. Entretanto, é estranho que, especialmente no Brasil e depois de quase um século, ter um avião seja algo incomum. Porque aqui, na terra do pai do avião, ainda não são muito populares os aviões experimentais, máquinas leves e simples que podem ser até montadas em casa por quem é chegado a mecânica.
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Bacalhau Dubilau

Bacalhau Dubilau
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Bacalhau DubilauIngredientes:

1,5kg de bacalhau tratado e dessalgado
7 cebolas
15 azeitonas pretas
5 ramos de salsa
Alcaparras a gosto
5 dentes de alho
Azeite virgem ou extravirgem
Sal
4 batatas médias
3 colheres de sopa de manteiga
3 copos de leite
2 colheres de sobremesa de requeijão
Queijo ralado
Noz-moscada
2 ovos

Preparo:

  1. Descaroçar as azeitonas, picar e amassar o alho, deixar reservado. Cortar as cebolas em rodelas relativamente grossas (aprox. 5mm de espessura) e reservar.
  2. Descascar as batatas, cortá-las em rodelas e cozinhar em água por aprox. 20 minutos, para fazer purê.
  3. Enquanto isso, colocar a cebola para refogar em bastante azeite, com duas colherinhas de alho amassado, acrescida das azeitonas e da salsa picada. Deixar cozinhar até a cebola ficar meio transparente, mexendo de tempos em tempos, e desligar quando estiver no ponto.
  4. Quando as batatas estiverem cozidas (testar com garfo; deve descer macio), escorrer a água, amassá-las com pilão ou espremedor, e voltar ao fogo com a manteiga, mexendo sem parar e acrescentando o leite aos poucos. Misturar o requeijão, 2 colheres de sopa de queijo ralado e uma pitada de noz-moscada, sem parar de mexer. Provar o sal e desligar o fogo.
  5. Pôr os ovos para cozinhar, por algo entre 7 e 10 minutos.
  6. Enquanto os ovos cozinham, desfiar o bacalhau em nacos não muito pequenos, numa tigela refratária de bom tamanho. Acrescentar a cebola, as alcaparras, o resto do alho amassado, e misturar tudo, acrescentando azeite à vontade.
  7. Descascar e cortar os ovos em fatias, e colocá-las por cima da mistura de bacalhau. Cobrir tudo com o purê de batatas, polvilhando o queijo ralado por cima. Levar ao forno para gratinar por aprox. 20 minutos.

Filé à Weissphüder

Filé à Weissphüder
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Filé à WeissphüderIngredientes:

8 bifes de filé mignon
4 dentes de alho
Pimenta do reino
Sal
3 colheres de sopa de manteiga
3 colheres de sopa de mostarda (de preferência escura)
1 cálice de Contini (ou conhaque ou whiskie)
1/2 caixinha de creme de leite
2 colheres de sopa de shoyu

Para o molho branco:
2 colheres de sopa de trigo
2 colheres de sopa de manteiga
3 ou 4 xícaras de leite fervente
Sal
Curry (opcional)

 

Preparo:

 

  1. Temperar os bifes com o alho amassado, pimenta do reino e um pouco de sal. Deixar reservado.
  2.  Fazer o molho branco, colocando o leite pra ferver e pondo na panela, para derreter, 2 colheres de manteiga. Depois de derretida, juntar aos poucos o trigo, mexendo bastante e rapidamente. A mistura fica dourada rapidamente, pode ser preciso mexê-la fora do fogo. Juntar o leite bem aos poucos: a massa vai parecer empelotar, mas deve-se misturar vigorosamente para dissolver e, então, acrescentar mais leite, sucessivamente repetindo o processo. Depois de por todo o leite na panela, acrescentar sal a gosto. Opcionalmente, pode-se adicionar uma pitada de curry. Reservar o molho.
  3. Na frigideira ou panela, colocar 2 colheres de manteiga para derreter em fogo médio. Após aquecida, colocar 4 ou 5 dos bifes para fritar, virando-os 4 vezes a cada 3 minutos, até o caldo da carne quase secar. Então, para dourá-los, aumente o fogo, e vire dos dois lados até chegar ao ponto desejado. Depois de tirá-los da panela para uma travessa, pôr na panela a última colher de manteiga e fazer o mesmo processo com os bifes restantes. Deixar a travessa reservada.
  4. Na mesma frigideira ou panela, despejar cuidadosamente o Contini (ou a bebida escolhida), e deixar ferver por um tempinho, mexendo para soltar a "ferrugem" da carne na panela. Juntar o molho branco feito previamente, as três colheres de mostarda, e ferver. Acrescentar o creme de leite e o shoyu, mantendo a fervura. Se o molho estiver muito ácido, pode-se acrescentar, aos poucos e sempre experimentando, pitadas de açúcar.
  5. Na hora de servir, reaquecer o molho se necessário e despejá-lo sobre a travessa onde estão os filés.

Espírito da vanguarda

Foto de Marte
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O Spirit em nada lembra o C3PO do Guerra nas Estrelas, a Rosie dos Jetsons e tampouco a Super Vicky, mas é dotado de sofisticados instrumentos de auto-orientação, obtenção e conservação de energia, detecção de materiais e vários outros sistemas de dar inveja aos robôs de nossas infâncias — afinal, eles não conseguiram chegar a Marte.

E o que teria o planeta vermelho a ver com os ares da cidade brasileira de Vitória, ou com as chaminés da Companhia Siderúrgica de Tubarão, em Santa Catarina? “Fazemos uso dessa tecnologia usada em Marte nos estudos ambientais de poluição atmosférica e controle de qualidade da indústria”, explica o físico brasileiro Paulo Antônio de Souza Jr., analista da Companhia Vale do Rio Doce, convidado pela agência espacial norte-americana (Nasa) para participar do projeto Spirit por ser um dos desenvolvedores de um aparelho chamado espectrômetro de Mössbauer. Um pequeno exemplar desse equipamento de nome assustador está acoplado a um braço do robô, para analisar o solo e as rochas de Marte.

A alta tecnologia usada em missões espaciais muitas vezes resulta em avanços importantes para indústrias e produtos bem comuns aqui na Terra. Entre os exemplos mais conhecidos, estão o mouse, desenvolvido na década de 60 por Doug Engelbert, da Universidade de Stanford, com apoio da Nasa. Ou a tomografia computadorizada, que nasceu de uma tecnologia da agência para as fotografias da Lua durante o projeto Apollo, bem como ferramentas movidas a baterias. Tecnologia usada para bombeamento de combustível nos ônibus espaciais da Nasa também deu origem a um tipo de coração artificial que está em testes na Europa e câmeras de infravermelho portáteis. Da tecnologia usada no polimento das perfeitas lentes e espelhos do telescópio espacial Hubble, nasceu no ano passado um novo método para afiar lâminas de patins para gelo.

Claro que o caminho inverso também existe — a Spirit une várias tecnologias que já estão em uso ou em testes. Um exemplo é o próprio espectrômetro de Mössbauer. Outro é o uso de um software para analisar imagens, captadas por câmeras no robô, e a partir delas determinar aonde ir (ou não). “As aplicações na indústria automobilística e mesmo em cirurgia a distância são similares”, aponta Paulo. O altímetro por radar também pode ser usado um dia para evitar acidentes, por exemplo. Outra inovação da Spirit, que pode vir a se tornar um produto um dia, é o uso de duas câmeras juntas, com filtros coloridos, para fazer imagens tridimensionais.

 

As tecnologias da Spirit

Zylon
As cordas do pára-quedas do Spirit são de zylon, um material usado para cordas de navios. É um material sintético de propriedades parecidas com o já conhecido kevlar, de alta resistência, com fibras finas trançadas.

Vectran
É o tecido dos airbags que amorteceram o pouso nada delicado da Spirit em Marte. Ainda que flexível, o vectran é duas vezes mais resistente que o kevlar, tem boa resistência a temperaturas baixas e é composto de fibras sintéticas entrelaçadas.

Tinta de ouro
Usada no exterior do robô, a tinta dourada tem a função de ser isoladora de calor — o que acontece por ela ser extremamente reflexiva. É o mesmo princípio usado nas garrafas térmicas.

Aerogel
Usada para isolação térmica no interior do robô, o aerogel recebeu o apelido dos cientistas de “fumaça sólida”. Assim como o vidro, é baseado em silício, mas é mil vezes menos denso e, portanto, muito mais leve. O aerogel é como uma esponja ultraleve, com 99,8% de ar em sua composição.

Scanner estelar e sensor de sol
Equipamentos de incrível precisão, usados durante a jornada a Marte, para descobrir a exata localização da nave em função da posição do Sol e das estrelas. Baseado nas informações desse conjunto o módulo de controle da Spirit acionava os foguetes de correção da trajetória — o que deve ter acontecido apenas seis vezes em uma viagem de 515 milhões de quilômetros!

Antena de baixo ganho
Uma das antenas de rádio usadas para comunicação e controle entre a Terra e a nave. A antena de baixo ganho irradia sinais para todas as direções. Até determinada distância da Terra, boa parte desse sinal acabava indo para a Terra mesmo.

Antena de ganho médio
Ao contrário da antena de baixo ganho, a antena de ganho médio emite um sinal direcionado e concentrado, como uma mira a laser. Essa antena é acionada quando o sinal omnidirecional da antena de baixo ganho começa a ir mais para os lados do que para a Terra.

Unidade de medição inercial
Sensor que detecta movimentos em todas as direções. Na cápsula e no robô, é usado para medir a posição de descida ou as inclinações do terreno, para evitar que o veículo capote.

Altímetro por radar
Sistema usado na cápsula da Spirit após a entrada na atmosfera de Marte, para acionar os vários sistemas de freio de acordo com a altura em relação ao chão, como o corte do pára-quedas, acionamento de foguetes retropropulsores e o acionamento dos airbags de amortecimento.

Computador de bordo do Rover
O cérebro de todo o conjunto da Spirit é comparado pela Nasa a “um poderoso laptop de última geração”. O computador tem 128MB de memória RAM e 3MB de memória EEPROM, que pode ser apagada mas não perde conteúdo quando a energia é desligada. Pode não ser muito se comparado a um micro atual, mas é mil vezes mais memória do que a usada pela sonda marciana anterior, a Sojourney, da missão Pathfinder de 1997. Os chips de memória são especiais, para suportar a forte radiação do espaço. O sistema operacional checa constantemente, em ciclos, todos os sensores.

Câmeras digitais
O robô da Spirit é cheio de câmeras digitais — nove. Duas, colocadas uma do lado da outra, formam a chamada Pancam (de “panorâmica”). São os olhinhos do robô. As duas apontam para o mesmo lado e a imagem entre elas é combinada, mas cada lente pode ser coberta com oito filtros de cor, para obter efeitos tridimensionais ou fazer fotos especiais. Uma outra câmera é a microscópica, colocada num braço, que se aproxima e faz fotos de 1.024 x 1.024 pixels de rochas em estado natural ou raspadas por outro braço do robô. Por fim, há quatro câmeras, chamadas hazcams (câmeras contra acidentes), uma em cada canto inferior da base do robô. Elas servem para fazer um mapeamento do terreno em volta e as imagens são analisadas por software para o robô decidir aonde ir. Estas câmeras podem fazer imagens em ângulos de 120 graus, com alcance de 3m de profundidade por 4m de largura.

Espectrômetros
São sensores usados para fazer medições de certas características do solo e da atmosfera de Marte em função do tempo, profundidade ou outras medidas. O resultado é um gráfico chamado de espectro. O sensor Mini-TES é um medidor de emissão infravermelha de calor, que se aproveita da característica de que cada material emite calor de uma forma diferente. O Mini-TES tem o objetivo principal de descobrir cerâmica ou carbonatos, que são sinais de existência de água no passado. Outro espectrômetro, o de Mössbauer, analisa os compostos com ferro. O terceiro medidor é o de emissão de Raios X e partículas Alfa, usado para descobrir elementos químicos radioativos. 

Marte, um mistério

Foto de MarteMarte é o quarto planeta do sistema solar, depois de Mercúrio, Vênus e Terra. Tem aproximadamente metade do diâmetro e um décimo da massa do nosso planeta e, devido às leis da gravidade, os mesmos corpos lá têm peso 40% menor que na Terra. A atmosfera é muito delgada e 96% dela é de gás carbônico, o que torna impossível respirar no planeta. A temperatura média é de -62 ºC, mas com variações de até 113 graus em um dia. O solo é extremamente seco e contém muito ferro. Há fotografias que apontam a existência de gelo no extremo norte do planeta. Cada dia marciano leva o nome de sol e dura 24h37.

Marte não oferece condições para a vida como a conhecemos na Terra, mas muitos cientistas acreditam que nele existiu vida há bilhões de anos. Os famosos canais de Marte assemelham-se a leitos secos de rios. Na Terra já foram encontradas pedras — uma delas em Minas Gerais — que acredita-se serem vindas de Marte, por causa de sua composição química. Nessas pedras foram encontradas estruturas fossilizadas que parecem ser bactérias.

Publicado no Correio Braziliense em 13 de janeiro de 2004

Autenticado e reconhecido

Sherlock Holmes e Dr. Watson
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Isso não é uma mera visão do futuro. Já existem sistemas em teste em alguns cartórios do país, que oferecem serviços como estes e alguns outros. A base de funcionamento dos serviços é a certificação digital, um complexo método de identificação que só pode ser feito por uma entidade autorizada pelo ICP-Brasil ­ uma comissão ligada à Casa Civil, cuja sigla significa Infra-estrutura de Chaves Públicas. A entidade autorizada, conhecida comumemente como “certificadora”, registra os dados da pessoa e cria uma assinatura digital e um certificado digital, que são usados em conjunto (mais explicações abaixo).

O uso de assinaturas digitais não é novidade — alguns bancos já oferecem o serviço a clientes que desejam mais segurança. Mas ainda é pouco difundido, e pode demorar algum tempo para se tornar algo comum e aceito. “Existe uma barreira cultural. Há séculos a assinatura escrita é usada e ninguém está habituado a substituí-la”, diz Índio do Brasil Artiaga, diretor do Colégio Notarial do Brasil e tabelião do 4º Tabelionato de Notas de Goiânia, um dos cartórios que estão testando sistemas de identificação digital.

À parte o preconceito, a certificação digital pode ter diversas aplicações e os serviços cartoriais são uma delas. Há um projeto arrojado. Tabeliães se associaram para criar uma empresa, a Digitrust, especialmente dedicada a desenvolver e distribuir programas que utilizem a certificação digital, bem como se tornar a entidade certificadora dos cartórios ­ o pedido de autorização foi feito à ICP-Brasil na terça-feira passada. Os programas, principalmente voltados para cartórios notariais, são criados como software livre e poderão ser distribuídos gratuitamente para todos os cartórios. Por enquanto, apenas seis estão testando os sistemas — além do cartório de Goiânia, há um em Porto Alegre, um em Blumenau, um em Curitiba, um em São Paulo e um em Boa Vista.

 

Digitais no digital

“O objetivo é criar uma grande rede nacional entre os cartórios. Mas não dá para dizer que daqui a três meses vai haver tudo disponível”, considera Índio, reiterando que não há previsão de quando o “cartório digital” se tornará uma ampla realidade. Uma das dificuldades enfrentadas pelos cartórios atualmente é uma falha de segurança nos atuais procedimentos de certificação digital. “Uma pessoa pode usar documentos falsos para criar seu certificado, e daí sair fazendo de tudo com ele pela internet, ou pode fazer mau uso do certificado e dizer que foi alguém que tirou em seu nome”, teoriza o tabelião. Para os cartórios, isso é um problema a mais por terem os tabeliães fé pública, o que os torna responsáveis por aquilo que eles atestarem como verdade.

A solução, aposta Índio, é registrar também dados biométricos de quem tira um certificado digital — o procedimento mais comum é usar um scanner de dedo, que grava no computador as impressões digitais do cidadão. As “digitais digitais” ficariam, então, armazenadas no cartório, e em caso de problema seriam utilizadas como prova de defesa da entidade. Nada impediria, ainda, que alguns desses dados biométricos fizessem parte do próprio certificado digital ­ o formato de dados do certificado permite a inclusão de quantos dados do proprietário forem desejados, segundo José Luiz Brandão, diretor de tecnologia da empresa brasiliense e-Sec e membro da comissão técnica do ICP-Brasil.

 

Elementar, meu caro Watson

A certificação digital funciona baseada em criptografia, que é a técnica de embaralhar e alterar mensagens e arquivos de uma forma que eles não possam ser lidos ou modificados por quem não estiver autorizado e equipado para tal. A aplicação mais comum da técnica é assegurar que somente um determinado destinatário possa ler a mensagem, com o uso de uma senha ou chave pré-combinada, mas a assinatura digital já funciona ao contrário: seu objetivo é provar a autenticidade do emissor da mensagem. De acordo com José Luiz Brandão, diretor de tecnologia da e-Sec e membro do ICP-Brasil, o funcionamento da assinatura digital poderia ser comparado a mandar uma mensagem juntamente com sua própria carteira de identidade. Em um caso onde sigilo e autenticidade seriam indispensáveis, podemos imaginar como o detetive Sherlock Holmes e seu auxiliar Dr. Watson usariam o sistema nos tempos modernos.
Sherlock Holmes e Dr. Watson
1) O Dr. Watson quer mandar uma foto digital do local do crime para Sherlock. Primeiro, Watson deve usar a sua assinatura digital ­ a sua chave privada ­ para encriptar a imagem.

2) Usando seu programa de e-mail, Watson manda para Holmes a foto já codificada e uma cópia do seu certificado digital ­ que inclui a chave pública, necessária para decodificar a imagem. Os dois arquivos vão como um só, num formato padrão de “envelope digital”.

3) Ao receber o e-mail, Sherlock precisa ter certeza de que a mensagem é mesmo de Watson. Para isso, basta confirmar se o certificado digital mandado por Watson é legítimo. Como o próprio certificado é assinado digitalmente pela entidade que o emitiu, o programa leitor da mensagem busca na internet a chave pública da entidade certificadora  — a ­Scotland Yard, é óbvio! Se essa chave servir para decodificar o certificado, está provada sua origem.

4) O certificado mandado por Watson, já decodificado, também deve estar dentro do prazo de validade, o que é verificado automaticamente pelo programa leitor.

5) Então, se o certificado de Watson estiver válido, a chave pública contida nele é usada para decodificar (decriptar) a foto ­ e Sherlock tem certeza de que a imagem não é uma armadilha.

6) O computador de Sherlock só precisa buscar na internet a chave pública da Scotland Yard uma vez. Depois, ela fica armazenada no micro. Se Watson quisesse ter certeza de que só Holmes poderia ler o arquivo, ele só precisaria usar a chave pública de Holmes para codificar o envelope digital (do passo 2). Assim, só o próprio Holmes poderia ler a mensagem, com sua chave privada.

 

Identidade virtual

Assinatura Digital
Uma grande seqüência de números, única e secreta, que fica armazenada em um software ou, de forma mais segura, num cartão com chip (smart card). Tecnicamente é chamada de chave privada. Para utilizá-la no software ou no cartão, o portador estabelece uma senha, que evita o uso indevido da assinatura.

Certificado Digital
Um pequeno arquivo que contém, entre outras informações, um número de série, as datas de emissão e validade, dados da autoridade certificadora, dados diversos do proprietário e outro grande número, a chave pública. O certificado pode ser livremente distribuído e publicado: ele é assinado digitalmente pela entidade certificadora, o que lhe confere total autenticidade.

Publicado no Correio Braziliense em 07 de outubro de 2003